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Transporte de ovinos e suas consequências sobre algumas características das carcaças e qualidade da carne

As pessoas envolvidas com a produção de carne ovina sempre têm perguntas quando o assunto é o pré-abate. A Portaria 365/2021, que trata sobre o manejo pré-abate, abate humanitário e os métodos de insensibilização autorizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento define o manejo pré-abate como “o conjunto de operações do embarque na propriedade de origem até a concentração para insensibilização”. O período de jejum de sólidos nesta etapa não pode exceder 24 horas.

Parece algo simples, mas não é! Este tempo relativamente curto é complexo e dinâmico, podendo resultar em problemas para os animais e na qualidade da carne. Por isso vamos focar em uma parte ainda menor que é o transporte dos ovinos (Figura 1) e os fatores que o circundam. Não é objetivo controlar todos os pontos existentes no assunto, mesmo porque cairíamos no imponderável. É óbvio que as condições das estradas e aquelas inerentes ao clima trarão impasses e desafios que aqui chamamos de dinâmicos, mas tentaremos deixar o assunto menos complexo. Importante: trataremos apenas de animais aptos ao abate, preferencialmente cordeiros (as) e borregos (as), eventualmente ovelhas não prenhes e carneiros.

Primeiro queremos tentar convencê-los da importância do assunto. Se a comercialização é realizada pelo peso da carcaça no gancho da indústria, persuadi-los do valor do tema é desnecessário. Pode-se ter mortes ou contusões nos animais que impactarão no volume da carne comercializada e, por isso, em menos lucro para o produtor rural.

Para o proprietário do abatedouro frigorífico, as implicações também são ruins: cortes cárneos danificados, logística da produção alterada, mais gastos com funcionários, energia e com água. Além disso, a carne poderá ser mais escura e menos macia, mesmo daqueles cordeiros criados com todos os cuidados técnicos possíveis. Mas se o produtor vende os seus animais com base na medição do peso vivo na propriedade rural, por que se preocupar com o transporte dos animais? A argumentação fica mais difícil de ser realizada, mas não é menos importante.

Há críticas da sociedade em relação ao setor produtivo de todos os lados e com todos os tipos de argumentação. Criou-se embates, em muitos casos infundados, que somente desvalorizam os envolvidos e o consumo da carne. Infundados porque muitas críticas são baseadas em conceitos e suposições erradas e/ou inexistentes. Mas as observações da sociedade não devem ser desvalorizadas e nós precisamos evoluir e implantar as técnicas existentes para que o animal não sofra, afinal esta pode ser uma exigência do consumidor, elo final da cadeia e que merece total atenção. O tema é áspero, mas importante e um caminho sem volta.

Portanto, precisamos trabalhar para que o manejo no pré-abate seja realizado com técnicas precisas para que o bem-estar dos ovinos não seja prejudicado e que, com isso, a carne tenha melhor qualidade. O “simples” fato da presença de hematomas nas carcaças já nos diz que o manejo precisa ser revisto!

Em linhas gerais, precisamos de infraestrutura adequada e treinamento de pessoal, que, juntos, darão uma relação equilibrada com os animais, nosso principal foco de atuação neste momento de transporte até ao abatedouro frigorífico. Não dá para termos receita pronta no pré-abate, mas podemos fazer algumas ponderações gerais que nos ajudarão.

Os animais ficarão mais tranquilos se todos os envolvidos no processo pré-transporte forem aqueles que manejaram os animais antes desta etapa. Teoricamente, estas pessoas já não os conduzem com agressões desnecessárias: chutes, puxões de lã/pele, gritos etc. Ressaltando que o uso de bastões elétricos, chicotes ou instrumentos pontiagudos são proibidos para os ovinos.

A primeira ponderação é que o pré-abate deve ser planejado, caso a caso, para que a execução seja bem realizada. Esta etapa geralmente não é acompanhada por indivíduos que conheçam do assunto, o que traz problemas já relatados. Cuidados com os currais e rampas, revisão do veículo, observação e planejamento da rota e suas possíveis peculiaridades no dia do transporte (paradas para conserto de estradas, condições do clima etc.), contatos telefônicos com pessoas que possam auxiliar em eventuais problemas durante a jornada, programação das paradas para alimentação do motorista são pontos importantes que devem ser observados com antecedência. O planejamento possibilitará a revisão das principais dúvidas, portanto, deve ser levado a sério, especialmente no que se refere ao tempo necessário para o deslocamento total com os animais.

A retirada da dieta sólida é muito importante para que os animais não sejam transportados em um veículo com excesso de fezes e urina. Geralmente retira-se a dieta por 12 horas antes do embarque, mas este intervalo deve ser observado de acordo com o tempo total permitido de jejum de sólidos; 24 horas contando do jejum pré-transporte até o momento da insensibilização. Faz-se jejum de 12 horas na propriedade rural para a posterior pesagem dos animais quando a venda é realizada em função do peso vivo.

Contudo, a jornada, devido a extensão territorial do Brasil, pode fazer com que os animais passem do limite de tempo de jejum. Aqui entra a necessidade do planejamento, o importante seria encontrar local adequado para que os animais sejam desembarcados, descansem, tenham acesso a água e comida para que, por fim, continuem a jornada seguindo as mesmas técnicas e exigências legais do início do embarque. Uma guia da Europa sobre boas práticas de manejo no transporte cita a necessidade de descanso nestes casos de 24 horas antes da continuação da jornada.

Importante: os animais devem ter acesso à água durante o pré e pós-transporte.

Na Figura 2 temos uma carcaça com hematoma causado pela elevação do cordeiro por sua pele no momento do embarque. No caso específico, houve problemas das duas ordens, infraestrutura e treinamento de pessoal. Para evitarmos estes excessos, o embarcadouro deve ser minuciosamente construído. Se o veículo tiver elevador próprio, ótimo; se não, temos que nos atentar a algumas recomendações gerais: 1) o ângulo da rampa deve ser menor que 15 graus.

Os animais geralmente são levados em veículos com dois pavimentos. O fato acarreta um problema comum, os animais que irão no andar superior sobem rampas com inclinação maior que o recomendado. Neste momento pode haver irritação das pessoas e agressões aos animais. Por isso, a declividade da rampa até o primeiro piso deve ser o mais próximo possível de zero grau. Os animais têm seu tempo de ação, não há necessidade de agressões ou gritos.

Se a rampa for adequada, a utilização dos conceitos de zona de fuga e ponto de balanço dos animais e o auxílio de uma bandeira já são suficientes para encorajá-los a seguir adiante; o líder do rebanho tomará a frente. 2) Uma rampa sólida não vazada em suas laterais evita distrações e também encoraja a subida. 3) Ressaltos no piso da rampa com altura de 2,5 cm e distância de 12 cm um do outro (para que caiba sua pata) o ajudarão a subir a rampa. 4) As laterais da rampa devem ter 1,2 metro. Se houver transporte de caprinos com os ovinos, as laterais devem ter 1,5 metro. 5) É necessário deixar espaço suficiente para que os motoristas consigam manobrar o veículo e o deixem rente a rampa. Não misture lotes e/ou isole animais.

Detalhes construtivos podem ser observados em http://www.grandin.com/. A Dra. Temple Grandin traz informações preciosas sobre a construções de currais e rampas para diversas espécies, inclusive os ovinos. Cuidado com as especificidades dos ovinos, uma das formas de se avaliar o desconforto e sofrimento dos bovinos é por meio do número de vocalizações. Os ovinos, mesmo em casos de sofrimento, não balem, portanto, não é um bom indicador para a avaliação do bem-estar dessa espécie. Os ovinos vocalizarão se estiverem isolados dos demais.  

A emissão da Guia de Trânsito Animal (GTA) é obrigatória e contém informações sobre origem, destino, sanidade dos animais e finalidade do transporte. Existem diversos tipos de veículos, mas o que é necessário destacarmos é que quaisquer que sejam os utilizados devem estar em boas condições, serem próprios para transportarem carga viva e dentro das normas da legislação brasileira, tanto a estrutura em si como o seu limite de carga. A carroceria deve estar firme e sem objetos cortantes e perfurantes. Por vezes observamos carrocerias com parafusos folgados que diminuem a estabilidade dos animais, o que dificulta manterem-se equilibrados.

Existem pisos de borracha no mercado que previnem escorregões e quedas devido a suas ranhuras. Algumas carrocerias possuem aberturas em suas laterais (as tábuas são espaçadas uma da outra) na mesma altura dos animais que podem causar acidentes, já que os animais podem prender suas pernas no local. Caso não consiga adaptá-la, o motorista deve estar sempre atento a estas questões. O espaço concedido a cada animal prevenirá este tipo de problema. O veículo deve ser higienizado antes do embarque dos animais.

As condições de trabalho do motorista são tão importantes quanto a estrutura do veículo. Carteira de habilitação em dia, carga horária de trabalho compatível com a função, número de motoristas por jornada e treinamento profissional para o transporte da carga viva devem ser minuciosamente observados. Muitas pessoas conseguem notar mínimas alterações ou erros, mas outras não, daí a importância do treinamento. Recolhimento dos animais no momento da chegada do veículo, currais e embarcadouros mal planejados, excesso de pessoas para o manejo e presença de outros animais são exemplos de situações indesejáveis que impactam negativamente o trabalho de todos, inclusive do motorista e, consequentemente, diminuem o bem-estar dos animais.

O abatedouro frigorífico em que os ovinos serão abatidos nem sempre pode ser objeto de discussão pelos produtores rurais por serem poucas as possibilidades de escolha, mas, se for possível, é importante que a distância entre a propriedade rural e a indústria seja levada em consideração, já que as carcaças dos animais podem perder peso com o aumento do translado.

Nós já observamos perdas de 0,28 kg da carcaça quente de cordeiros para cada 100 minutos a mais de transporte (jornadas de 1h45min até 10h30min). Obviamente que as chances de ocorrências em uma jornada mais longa também são maiores, mas considera-se que a etapa inicial do transporte seja a mais complicada devido ao embarque dos animais. Mesmo assim, não devemos negligenciar os demais períodos do translado.

Como já relatado aqui, o transporte de ovinos, em muitos lugares, é realizado misturando-se caprinos e ovinos e/ou animais de propriedades diferentes. O relato acima é comum em propriedades que trabalham com compra e venda de animais. Sugerimos que não misture animas de diferentes propriedades em um mesmo compartimento do veículo.  A interação com os seus companheiros é importante para não incluirmos novos agentes que causem estresse.

Outro ponto de importância relaciona-se ao espaço disponível para cada animal. As possibilidades aqui relatadas consideram sempre o peso vivo dos animais. A Portaria 365/2021 diz que “os animais transportados em contentores devem ter espaço suficiente para deitar ao mesmo tempo, sem ficar uns sobre os outros”.

Geralmente os ovinos começam a deitar depois da terceira hora do início do transporte. Em jornadas que duraram menos de seis horas notamos poucos animais deitados. No planejamento dos transportes dos cordeiros sob nossa supervisão, nós sempre usamos a recomendação realizada por Petherick e Phillips (2009).

Nossos dados, ainda não publicados, mostram que esta recomendação seja mais acertada para os animais deslanados criados no Brasil. Estes autores utilizam uma equação: A = kW0,66, onde A é a área em que os animais serão transportados, em m2; K é uma constante; W é o peso vivo dos animais.

Os autores utilizam os seguintes valores de K para curtas ou longas jornadas: 0,020 e 0,027, respectivamente. Sendo que 0,027 é suficiente para que os animais deitem simultaneamente, portanto, compatível com a exigência da Portaria em vigor no País. Valores de K abaixo de 0,02 fazem com que os animais se amontoem, portanto, não devem ser utilizados. Exemplo 1: um cordeiro com 40 kg terá o seguinte espaço disponível: A = 0,027*400.66 = 0,31 m2 por animal. Exemplo 2: uma ovelha com 65 kg terá o seguinte espaço disponível: A = 0,027*650.66 = 0,43 m2 por animal. Mas existem outras linhas de raciocínio que disponibilizam maiores ou menores espaços.

Os leitores podem buscar as recomendações do Farm Animal Welfare Committee (FAWC), comitê formado por especialistas da Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales e uma guia utilizado pelo Governo Australiano (Australian Animal Welfare Standards and Guidelines/ Land Transport of Livestock). Ambos as guias estão nas referências deste texto.

Resumindo, o que precisamos nos perguntar? Primeiro, qual a área de cada compartimento do veículo? Qual o peso médio do lote? Você pode formar lotes menores de animais com pesos próximos e terá mais assertividade em suas ações. Geralmente, em veículos com dois pavimentos, os indivíduos colocam os mais leves no andar superior. Não estipule número exato de animais, o peso vivo que determinará quantos animais que cabem no veículo.

Após o embarque dos animais, o motorista deve seguir seu itinerário, mas sem pressa excessiva. Antes de partir, dá tempo de tomar um rápido café com pão de queijo ou cuscuz para que os animais se habituem ao veículo. Os ovinos, mas principalmente os caprinos, se amontoam em um canto da carroceria se os movimentos iniciais forem bruscos, o que pode causar até mortes por esmagamento. Durante o translado, o motorista deve evitar movimentos abruptos com o veículo, ultrapassagens perigosas e frenagens bruscas, por exemplo. Durante a viagem, a agenda do celular do motorista deve estar repleta de contatos de quem pode auxiliar no momento de alguma decisão difícil, pessoas que podem ajudar em quaisquer dificuldades que saia do que foi planejado. Sempre é bom lembrarmos que imprevistos acontecem e devem ser superados.

Procure locais sombreados no momento das paradas. No momento do desembarque, lembre-se dos princípios da rampa que já destacamos. Rampas com declividade de até 10 graus trarão melhores resultados. A paciência é importante em todo o percurso e não será diferente agora. A disparidade em relação ao tamanho do texto sobre as recomendações pré-transporte versus as recomendações do transporte em si indica que os preparativos são importantíssimos para que tudo aconteça com sucesso. Lembre-se que os cuidados com os animais e com as pessoas são essenciais para que tenhamos êxito!

Não foi nossa intenção esgotarmos a matéria, mesmo porque é um tema que está em constante evolução, mas esperamos ter contribuído principalmente em chamar a sua atenção sobre o assunto para que tenhamos carcaças (Figura 3) e carne de ovinos com qualidade e que, principalmente, os animais tenham tratamento digno até o momento do abate.

Legenda das Figuras.

Figura 1 – Cordeiros embarcados para o início da jornada. Fonte: acervo próprio.

Figura 2 – Hematoma na região do pernil e do lombo causado por manejo inadequado no momento do embarque dos cordeiros. Fonte: acervo próprio.

Figura 3 – Carcaça de cordeiro após manejo pré-abate bem realizado. Fonte: acervo próprio.

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Fredson Vieira e Silva - Zootecnista, Departamento de Ciências Agrárias da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. E-mail - fredson.silva@unimontes.br.




Iran Borges - Zootecnista, Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. E-mail - borgezootec@gmail.com.

 

 




Laura Lúcia dos Santos Oliveira - Médica Veterinária, Departamento de Ciências Agrárias da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. E-mail - laura.oliveira@unimontes.br




Principais Referências

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Cockram, M. S., Kent, J. E., Goddard, P. J., Waran, N. K., McGilp, I. M., Jackson, R. E., Muwanga, G. M., & Prytherch, S. (1996). Effect of space allowance during transport on the behavioural and physiological responses of lambs during and after transport. Animal Science, 62(3), 461–477. https://doi.org/10.1017/S1357729800015009

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Silva, F. V., Borges, I., Lana, Â. M. Q., Borges, A. L. C. C., Sá, H. C. M., Silva, V. L., Alves, L. R. N., & Souza, F. A. (2017). Bem-estar dos cordeiros submetidos ao transporte rodoviário e avaliação das carcaças e carnes. Pesquisa Veterinária Brasileira, 37(6), 630–636. https://doi.org/10.1590/s0100-736x2017000600017

Temple Grandin. (2021). Temple Grandin’s Website. http://www.grandin.com/