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Transformando a ovinocultura em cortes especiais

*João Bandeira de Moura Neto

É certo que grande parcela da população brasileira nunca degustou a carne ovina e desconhece o inusitado sabor marcante e prazeroso desta iguaria que conquista dia a dia o paladar dos mais refinados consumidores. A carne ovina é saborosa e nutritiva, mas muitas vezes é subestimada e subutilizada na culinária, principalmente por fatores culturais. Contudo, em face do trabalho dispensado por vários segmentos da ovinocultura, a carne ovina, paulatinamente, vem ocupando espaços nas gôndolas de supermercados e casas especializadas.

Entretanto, essa caminhada ainda encontra inúmeros obstáculos a transpor, quer seja no manejo da produção e sanidade animal; quer na qualidade do produto; quer na comercialização do animal vivo; quer na industrialização da carne; quer quanto as exigências sanitárias e autorizativas para o comércio do produto acabado. Além disso, é importante conhecer as preferências dos consumidores e as tendências de mercado para criar cortes especiais que atendam às suas necessidades.

No Nordeste, inegavelmente, encontra-se a maior concentração da espécie ovina do país, sendo adotadas todas as modalidades de criação (extensiva, intensiva e semi-intensiva) proporcionando diversidade na formação, sabor e produção final da carne. Na nova tecnologia de criação evidencia-se a modalidade intensiva ou confinamento, com a instalação de centros de terminação de cordeiros, com dietas a base de concentrados, oportunizando uniformidade e precocidade, no que diz respeito ao desenvolvimento corporal, peso dos animais “entre 35 e 45kg de peso vivo”, com menos de seis meses de vida, desde que atendido os protocolos sanitários com aplicação de antiparasitários, vacinas e estimulantes de apetite.

Uma importante barreira que vem sendo quebrada na ovinocultura diz respeito ao abate de animais velhos, por apresentar uma carne de baixa qualidade e que na maioria das vezes tem gerado uma experiência negativa e frustrante daquele pedaço de carne com odor forte. A partir deste processo de transformação, a preferência dos frigoríficos é por animais jovens, conhecidos como cordeiros, por apresentarem uma carne mais macia e sabor suave, que agrada aos mais diversos paladares.

Por muito tempo, os frigoríficos foram forçados a abater animais sem uniformidade de idade, peso, raça e condição corporal, prejudicando a padronização dos cortes especiais e, consequentemente, a comercialização e a fidelização do cliente. Atualmente, os produtores, molas propulsoras da cadeia produtiva da ovinocultura, têm buscado atender as exigências dos frigoríficos, que passaram a bonificar os melhores resultados, gerando por parte do produtor agregação de valor no momento da comercialização para o abate, inclusive pela identificação de origem do seu produto.

A sazonalidade na oferta de animais sempre foi vista como um dos grandes gargalos para o crescimento da atividade, principalmente nas épocas de escassez de alimentos, passando a depender da aquisição de ração concentrada comercial, ou da produção própria de grãos na propriedade. A oferta desregulada de animais para os frigoríficos, afeta a periodicidade de entrega nos pontos de venda, frustrando os clientes quando buscam a carne ovina, tanto nas gôndolas como nos cardápios dos restaurantes.

Com a uniformidade dos animais de abate, possibilita-se a confecção de cortes padronizados, em termos de tamanho e conformação. Esta padronização tem sido incentivada pelos frigoríficos com possibilidade de agregação de valor ao produto, quando cada corte passa a ser comercializado a valores diferentes, levando-se em consideração o percentual de rendimento do corte na carcaça.

Naturalmente, para se chegar nos cortes especiais aconteceram muitas mudanças metodológicas e culturais ao longo do tempo. Antigamente, as carcaças eram divididas em 4 quartos, sendo 2 quartos dianteiros e 2 quartos traseiros. Depois passaram a ser comercializadas na forma de peças, como pernil, costela, lombo, paleta e pescoço. Atualmente já são encontrados mais de 30 cortes diferentes, como carré, picanha, contrafilé, filé mignon, costeletas, neck (pescoço), paleta, pernil, stinco e suas variações.

Com a transformação da carcaça em cortes especiais possibilitaram a criação de peças com base em receitas tradicionais ou inovadoras, que atendam às demandas de diferentes públicos e ocasiões. A apresentação dos cortes também pode ser feita de forma diferenciada, com cortes mais finos ou mais grossos, mais gordos ou mais magros, por exemplo. O intuito é ofertar ao consumidor cortes práticos e versáteis, atendendo a conveniência do cliente.

Em virtude da redução no tamanho das famílias, outra vantagem dos cortes especiais de ovinos que vem agradando ao consumidor, diz respeito ao tamanho das peças, comercializadas em porções menores comparados aos cortes bovinos, melhorando o uso no dia-a-dia, com mais praticidade e conveniência, diminuindo o desperdício e eliminando o ato de descongelar e congelar novamente o que sobrou.

Neste sentido, a apresentação do produto é tudo na hora da compra, da mesma forma como tem acontecido com outros produtos cárneos, na ovinocultura não está sendo diferente. Com as mudanças na produção da carne ovina, tem possibilitado ao cliente escolher com mais segurança o produto que estará levando para casa, seja para o churrasco de final de semana ou para o consumo no dia a dia.

O consumidor, além de considerar as características visuais como a coloração e textura da carne, também, está preocupado com a origem do produto, qual a procedência e como foram produzidos e abatidos os animais. Se no processamento foram adotadas as boas práticas de fabricação e manipulação de alimentos, aspectos importantes associados a questões de qualidade, dando preferência a produtos oriundos de estabelecimentos inspecionados e certificados.

Atualmente, os clientes avaliam os aspectos relacionados ao produto, como estado de conservação, mas também, observam a qualidade da embalagem e das informações contidas nos rótulos. A preferência é por embalagens mais resistentes que mantenham as características naturais da carne, seladas à vácuo ou em atmosfera modificada. Esta evolução nas embalagens dos produtos tem contribuído significativamente na aceitação dos cortes de ovinos. A exposição adequada das informações nos rótulos corrobora com uma maior confiança e segurança na hora da compra, de forma que o cliente tem em mãos dados indispensáveis, como informações nutricionais, datas de fabricação e prazo de validade, ingredientes e o sistema de inspeção que fiscaliza o estabelecimento.

Aos transformadores de carcaças, frigoríficos e similares (salas de desossa, entrepostos, restaurantes) cabe a árdua tarefa de atender a arte da apresentação das carnes no destaque aos cortes e tipificações de produtos em embalagens atrativas e esclarecedoras. E a eles ainda a difícil tarefa de gestão, trato, asseio e atendimento as regras de certificação para a circulação dos produtos de acordo com os Sistemas de Inspeção, seja a nível Municipal (SIM), Estadual (SIE), Federal (SIF) e o SISBI-POA (Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal).

Outro aspecto que tem travado a expansão da carne ovina são as barreiras sanitárias criadas a partir dos sistemas de inspeção. A intenção por trás destas certificações aparentemente caracteriza-se mais como barreiras comerciais do que sanitárias. Apenas as grandes empresas possuem condições estruturais de atender as exigências do Selo SIF ou SISBI para comercializar seus cortes cárneos em todos os estados da federação.

Como é difícil crescer no Brasil com esta legislação retrógrada e protecionista, difícil acreditar num sistema que permite ao estabelecimento, com Selo SIM, transporte sua mercadoria por 100km dentro do mesmo município e não permite atravessar uma ponte de 800 metros que liga dois estados vizinhos, Petrolina (PE) – Juazeiro (BA), por exemplo. Com certeza a qualidade do produto não sofrerá alterações sanitárias em virtude dos poucos metros que distanciam os dois estados, desde que sejam atendidas às recomendações de logística e armazenamento.

Muitas mudanças ainda estão por vir, carece um sistema de tipificação de carcaça que atenda as diversas raças de diferentes aptidões, essencial para quem quer produzir animais para o mercado de cortes especiais, dentro das especificações desejadas pelos frigoríficos, com características ideias de musculosidade e acabamento de gordura, priorizando as carnes marmorizadas que adicionam maior maciez e suculência. Com um sistema de tipificação será possível valorizar as melhores carcaças, adaptando-se ao modelo de bonificação, premiando o produtor à medida que os parâmetros das carcaças sejam atendidos. Para tanto, os animais precisam ser produzidos num manejo adequado para esta finalidade, caso contrário, as carcaças poderão ser penalizadas e menor remuneradas.

Entretanto, o maior desafio da atividade refere-se ao combate a clandestinidade, coibir o abate não certificado e sem inspeção sanitária, com fins comerciais. Sabe-se que grande parte da carne ovina consumida no país vem de abatedouros clandestinos, conhecidos como “frigomato” ou “fundo de quintal”, onde os animais são abatidos na base da marreta, sem preocupação alguma com o bem-estar dos animais e em locais com péssimas condições higiênicas, sem atender as normas de boas práticas de processamento e manipulação de alimentos.

Ao largo de tantas exigências, o próprio ESTADO (Municípios, Estados e União) não atuam com tanta rigidez no que tange aos verdadeiros crimes cometidos pelos que abatem clandestinamente e comercializam produtos em condições precárias de higiene nas bancas das feiras livres do país. As defesas sanitárias, órgãos de defesas dos animais, fiscais de feiras e tantos outros órgãos públicos pouco ou nada tem agido em defesa da saúde pública.

Para tanto, cabe a cada um de nós, divulgar e buscar a conscientização da população em não aceitarmos a comercialização de produtos sem inspeção, devido ao alto risco de contaminação e disseminação de doenças, alertando as famílias da importância dos cuidados com a questão da segurança alimentar. Só assim, haverá garantia de qualidade e confiança do produto final.

Em resumo, transformar a ovinocultura em cortes especiais pode ser uma ótima estratégia para agregar valor à carne ovina e promover seu consumo. Para isso, é necessário investir em qualidade, apresentação e inovação, levando em conta as preferências dos consumidores e as tendências de mercado. Dessa forma, é possível criar cortes especiais diferenciados e saborosos, que conquistem novos consumidores e valorizem a ovinocultura.

nullZootecnista do IFSertãoPE. Doutor em Zootecnia pela UFRPE. Sócio da CAPRICOM Frigorífico e Consultoria Ltda. - Marca Bon`Cabrito - cortes especiais de cabritos e cordeiro do Nordeste.