Papel do melhoramento genético na produção de carne - Nelore Birigui
* Leonardo de Oliveira Seno
* Humberto Tonhati
* Jorge Gaeti Ferreira Camargo
* Tadeu Lemos Barros
O Brasil se consolidou nos últimos anos como um dos líderes mundiais na produção de proteína animal, sendo um dos grandes produtores de carne bovina.
Os programas de melhoramento de bovinos de corte contribuíram sobremaneira com o avanço da atividade, uma vez que promoveram aumentos nos índices de produtividade como resultado da seleção e do direcionamento dos acasalamentos para a obtenção de ganho genético para as características de produção (ganho de peso, acabamento de carcaça e habilidade materna) e reprodução (fertilidade e precocidade sexual).
Atualmente, observamos um movimento de segmentação de mercado, com destaque para o surgimento de nichos de consumo orientados para atributos de qualidade diferenciados ou “gourmet”, o que envolve a transformação em um bem com características e identidade própria como um corte especial de carne maturada, embalado a vácuo e com marca própria, capaz de quebrar essa natureza de “commodity”, agregando valor e permitindo que o produtor passe a administrar o preço de venda.
No entanto, o setor tem dificuldades em atender tais nichos de mercado, já que a base da pecuária de corte é suportada pela raça Nelore, selecionada para conformação e peso. A avaliação tradicional das características de carcaça e carne é feita por inspeção visual da carcaça e análise laboratorial post mortem, requerendo grande número de amostras e animais para que uma média seja estimada apropriadamente. Essas características são difíceis e onerosas de serem mensuradas com acurácia em programas de melhoramento tradicional, portanto o incremento nas taxas de melhoramento dessas características torna-se lento e limitado.
Entre os recursos existentes para avaliação de carcaça e de características associadas à qualidade da carne, a ultrassonografia se destaca por possibilitar a avaliação fácil, precisa, rápida e menos onerosa (quando comparada as medidas post mortem) e realizada no animal vivo. A ultrassonografia vem sendo utilizada por mais de 30 anos nos Estados Unidos da América, em especial em animais da raça Angus, avaliando a composição corporal de animais por meio de medições em pontos anatômicos de referência, principalmente área de olho-de-lombo (AOL), em cm²; ratio (relação: altura x largura da AOL), sendo a relação entre a altura e largura (Ratio) do músculo; e espessura de gordura subcutânea (EGS), mm. As três medidas são tomadas no músculo longissimus dorsi (contrafilé) entre a 12a e 13a costelas. Já o escore de marmoreio ou gordura intramuscular (MAR), em escore e em porcentagem de lipídeos é avaliado a partir da leitura da imagem com o transdutor disposto longitudinalmente entre a 11ª e 13ª costelas. O AOL está relacionado ao ganho de peso, rendimento de carcaça e desossa (cortes cárneos comerciais), a EGS com precocidade sexual, reprodução e acabamento de gordura e o MAR com sabor e suculência.
Os avanços na ultrassonografia de carcaça despertaram o interesse dos produtores, pesquisadores dos programas de melhoramento genético, indústria e comércio de carnes (atacado e varejo). O uso adequado da tecnologia leva a redução de custo e tempo necessário para o teste de progênie tradicional e obtenção do mérito genético dos animais em relação as características em questão.
Recentemente, alguns pecuaristas atentos as demandas do mercado, tem dado ênfase na seleção e reprodução de animais capazes de produzir carne de qualidade superior. Dentre os critérios que definem a qualidade da carcaça, Osório et al., (2002) destacaram a conformação, que expressa o desenvolvimento da massa muscular, e o grau de acabamento, que se refere à distribuição e a quantidade de gordura de cobertura. As carcaças devem apresentar boa distribuição da gordura de cobertura para evitar o encurtamento das fibras musculares pelo frio e a consequente perda de maciez, além de que a gordura intramuscular, em níveis moderados, proporciona sabor e suculência.
O projeto Nelore Birigui, conduzido por Jorge Camargo, com orientação técnica de Tadeu Lemos Barros, da Proimagem, transformaram o rebanho comercial em referência para a produção de carcaça e qualidade de carne na raça Nelore. Em 2015, 100 % dos animais foram escaneados por ultrassonografia e, destes, 10 % foram selecionados, com base em um índice composto pelas características ultrassonográficas, formando um rebanho núcleo. A partir do estabelecimento do rebanho núcleo, foi possível implantar um programa de transferência de embriões em tempo fixo (TETF), para otimizar o manejo reprodutivo e a disseminação do material genético superior na fazenda. As demais fêmeas do plantel, aquelas que não foram selecionadas como doadoras, foram designadas como receptoras.
Na fazenda, os animais são avaliados no desmame e sobreano. A tomada de decisão para a seleção dos animais, escolha daqueles que serão pais da próxima geração, considera os dados ultrassonográficos da avaliação do desmame. Os dados médios para as características nos anos 2017 e 2019 foram, respectivamente: AOL de 41,40 e 42,12 cm², ratio de 0,47 e 0,45, marmoreio de 2,83 e 2,93 e EGS de 2,77 e 2,55 mm. Cabe ressaltar que as informações ultrassonográficas são raras nesta fase. A partir dos dados tomados ao sobreano para as fêmeas selecionadas para a reposição em 2017 e 2019, observamos a manutenção dos valores fenotípicos médios, respectivamente, para AOL, 68,87 e 68,52 cm², e ratio, 0,45 e 0,45, e incremento para o grau de marmoreio, 2,88 e 3,75 e EGS, 4,34 e 6,21 mm. Estes resultados indicam ganho genético para as características associadas a qualidade de carcaça e carne para a formação da base genética de fêmeas que permanecem no plantel.
Cabe ressaltar que a seleção para as características ultrassonográficas favorece todos os elos da cadeia produtiva, uma vez que a indústria obterá animais com maiores rendimentos dos cortes cárneos, o consumidor terá a garantia de receber produtos de melhor qualidade e os produtores podem receber melhor remuneração e ser mais eficientes. Neste sentido, para que sejam alcançados os objetivos desejados de animais mais produtivos e com carcaças e carne de melhor qualidade existe a necessidade de um aumento nos investimentos para a produção com insumos e mão de obra. A maior remuneração do produto final gera retorno para estes investimentos possibilitando qualificar a mão de obra e consequentes melhorias de remuneração.