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Pantanal - Comida de Comitiva | Gastronomia

*Paulo Machado

O Pantanal preserva inúmeros sabores, técnicas e temperos autóctones, muito conhecido dos locais.

Uma das características mais importantes que abarca tudo isso é que venho enaltecer neste texto é a comida de comitiva. Comuns num passado não tão longínquo, as comitivas pantaneiras ainda resistem ao tempo.

Elas são responsáveis pela condução do gado de uma fazenda a outra, por vários motivos, dentre eles os leilões pecuários, por dezenas de quilômetros. Nesses agrupamentos, tão raros na paisagem pantaneira atual, a figura mais importante é a do cuca – o cozinheiro do grupo. É ele que detém o conhecimento que não se ensina na escola, mas que é importantíssimo para a manutenção de uma comitiva.

Além de cozinhar, o cuca é responsável pelo dinheiro e por carregar os mantimentos e os pertences de toda a equipe. As comidas são organizadas dentro das bruacas, espécie de mala de couro presa na garupa dos burros, chamados cargueiros. É o cuca quem conduz a tropa de cargueiros, viajando à frente da boiada, e quem decide o momento e o local de retirar as bruacas das costas dos animais. É ele também que arreia os burros e corta a lenha usada no preparo da comida dos boiadeiros. Por ser o peão com mais atribuições numa comitiva, o cuca recebe o melhor salário.

Uma vez decidido o local de parada, o cozinheiro monta um acampamento simples e prepara a refeição dos peões. O cardápio de uma comitiva conta com comidas fáceis de transportar e rápidas de preparar – muitas vezes numa única panela –, como arroz carreteiro e macarrão tropeiro. No momento do repasto, os peões sentam-se todos juntos e iniciam um ritual. Para mexer nas panelas, pedem licença ao cuca ou esperam seu convite para iniciar a refeição.

Há toda uma estratégia de serviço nas comitivas: as tampas das panelas são equipadas com argolas de arame, que se ajustam ao dedo mínimo do peão, permitindo, assim, que ele possa segurar o prato com uma mão e servir-se da comida com a outra, já que não há apoio – apenas a panela no fogareiro ao chão. Outra regra é pegar a comida sem derrubar a tampa da panela.

Quando regras assim são quebradas, o cuca entra em ação, emitindo um som que parece o de uma galinha. A punição é clara: o peão terá que comprar um frango para a refeição seguinte. Depois de uma boa noite de descanso da jornada, o cuca serve o café da manhã bem cedinho. É o costumeiro quebra-torto. Esse desjejum é conhecido como “comer o velho”, ou seja, aproveitar as sobras da refeição anterior. O quebra-torto é sempre feito com arroz. Muitas vezes a comida que resta é pouca; então, o peão com mais idade é o primeiro a se alimentar das sobras.

A estrutura de uma comitiva é estritamente masculina. O cuca vai alguns quilômetros à frente. Bem atrás dele segue o ponteiro (ou cabeceiro), que é o guia, seguindo na frente dos demais, munido do berrante e de um chicote – também chamado de reador ou piraim.

Os fiadores são os peões que correm ao lado dos animais, mantendo-os  agrupados, impedindo sua dispersão.

O tropeiro é o responsável por cuidar dos cavalos. Logo pela manhã, cada peão arria seu próprio cavalo – da mesma maneira que um cozinheiro afia suas facas.

A comitiva termina com o culatreiro, que toca ou empurra a boiada (ou arribada), recuperando os animais que se atrasam por cansaço, doença ou fragilidade. É ele também quem corre atrás do bandoleiro, como costumam chamar o boi irrequieto, que escapou do grupo.

Além de sair na frente da comitiva, o cuca – talvez por isso chamado também de guapo, que significa destemido – também é responsável pela compra de alguns insumos nos bolichos, pequenos mercados de mantimentos e outros  itens, localizados em povoados próximos das fazendas ou em cidades grandes da região, como Aquidauana, Corumbá e Campo Grande.

Nos bolichos encontram-se alimentos típicos do pantaneiro, como erva-mate, temperos secos, arroz, macarrão de fardo, feijão e até a carne-de-sol manteada, que não foi feita na fazenda.

No começo do século XX, os bolichos eram o único comércio existente no Pantanal: verdadeiros magazines, pela variedade de mantimentos e itens de uso do pantaneiro, muitos deles trazidos pelos mascates, que ali chegavam com uma série de bugigangas.

Em suma, dentre tantas riquezas oferecidas a comida de comitiva é uma das principais joias dessa cultura. O pantanal possui diversidade de sabores. Fica aqui o convite a você que lê este artigo de conhecer esse paraíso natural e gastronômico do planeta.

null Cozinheiro e profundo conhecedor da cozinha pantaneira, já levou a cozinha brasileira para mais de 15 países. Autor do livro Pantanal – Comitiva de Sabores pela Editora BEI.