O que acontece no Laboratório de Carnes?
*Cristiane Leal dos Santos Cruz
Um laboratório para análise de carnes, quanto aos aspectos físicos e químicos, deve estar preparado para realização de vários procedimentos com o intuito de poder caracterizar a matéria-prima ou produtos gerados a partir dela.
Conhecer a composição química e os parâmetros físico-químicos permite identificar a identidade e qualidade da carne, assim como saber ou evitar efeitos que possam ser gerados durante o processamento, armazenamento e consumo da carne e/ou seus produtos cárneos.
Torna-se necessário separar o que é composição química, de centesimal, física e de parâmetros físico-químicos. Quando se dispõe a conduzir uma determinada amostra ao laboratório, o pesquisador deve, antes de tudo, saber e listar quais análises serão realizadas, para que possa proceder a separação em potes, com quantidades suficientes, conforme o tipo ou bateria de análise. Não fazer isso, tem sido um dos erros mais primários que ocorre em estudos e experimentos que visam avaliar a qualidade de carne.
Costuma-se armazenar uma única amostra para realização de todas as análises, o que está errado, pois ninguém conseguirá em um único dia concluir todas as análises, sendo assim, a amostra será por várias vezes descongelada e, consequentemente, haverá perda de nutrientes hidrossolúveis, a exemplo da proteína, subestimando a caracterização, além de que os resultados serão errôneos e incomparáveis com outros já publicados na literatura científica.
O correto é identificar em potes diferentes, de acordo a bateria de análises. Exemplo: a amostra que será usada para determinação da composição centesimal, não será a mesma amostra para determinação do colesterol, porém as duas deverão ser homogêneas quanto a origem. Serão, portanto feitas amostras da mesma matéria-prima ou produto acabado, de acordo ao que o pesquisador dispõe realizar no laboratório, identificando nome, número da amostra e tipo de análise. Apenas devem ser descongeladas as amostras que serão analisadas naquele dia, desta forma torna-se necessário o planejamento prévio das ações laboratoriais.
A composição centesimal envolve as análises de proteína total, minerais e/ou cinzas, umidade e gordura total. Porém, quando trata-se da composição química, incluiu-se ainda determinação de colesterol, perfil de ácidos graxos, tipos de minerais e outros componentes que sejam químicos, considerando também os que estão compondo a centesimal. Ou seja, composição química é quando as análises são mais completas quanto aos nutrientes e/ou substâncias presentes naquela amostra. Está errado dizer que composição centesimal é composição química, pois a determinação é limitada. No entanto, este é outro equivoco corriqueiro (o tipo de caracterização feita) que encontramos muito em trabalhos publicados.
Outro aspecto importante, que acontece muito nos laboratórios de carne é quando o pesquisador chama os parâmetros físico-químicos de composição físico-química. Esta forma também é equivocada, pois a capacidade de retenção de água e força de cisalhamento, por exemplo, são valores que servem de parâmetros para serem discutidos entre si e assim inferir algo que possa contribuir de forma relevante para poder se falar em qualidade ou não daquele produto cárneo.
Os parâmetros físico-químicos mais avaliados são a cor, capacidade de retenção de água, perda de peso por cocção, força de cisalhamento, atividade de água, rendimento de cocção, percentual de encolhimento e pH de bancada. Dentre estes que foram citados, a cor deve ser o primeiro parâmetro a ser determinado, assim mante-se a integridade de amostra, que deve ser descongelada sob resfriamento, antes iniciar qualquer outra análise.
A determinação da cor é realizada no produto cárneo ou carne (matéria-prima) durante todo o período de maturação, fermentação e/ou secagem do produto, com intervalos de tempo determinados pelo pesquisador ou após a obtenção do produto.
Quando fala-se em composição física da carcaça ou cortes, refere-se a separação dos tecidos corporais em percentagem de músculo, tecido adiposo, ósseo e outros tecidos. Porém, apenas esta composição não define a qualidade, mas auxilia, sendo assim necessita-se das outras determinações (composição centesimal, composição química e parâmetros físico-químicos) que são feitas na carne para discutir de forma efetiva sobre qualidade.
Um outro fato que merece destaque num laboratório de carne e produtos cárneos, é a realização de um intervalo de confiança para aumentar a precisão nas informações analíticas. Muitas vezes, as repetições das análises são realizadas, mas os dados não são plotados e feita uma análise simples e prévia do comportamento. Neste caso, trata-se de fazer o intervalo de confiança, ou seja, avaliação dos resultados laboratoriais.
No caso da determinação da composição centesimal, por exemplo, considerando a ocorrência de erro laboratorial e de preparo de amostra, a realização do intervalo de confiança indica a necessidade de repetição da análise química e ainda pode definir a percentagem de erro admitido. As análises devem ser reanalisadas sempre que a soma do % de proteína, % de gordura, % de minerais e % de água for menor de 95 % ou maior que 105 %.
As estimativas dos resultados de uma análise laboratorial de carne, devem ser mais precisas possíveis, ou seja, reais, visto que os nutrientes e/ou substâncias presentes são considerados para compor dieta, determinantes na escolha de um condimento, aditivos e ingredientes para formulação de um produto cárneo e uso na gastronomia.
Os apreciadores de carne estão cada vez mais exigentes com a qualidade que, por sua vez está, diretamente, relacionada com os parâmetros físico-químicos e composição química. Estes dados são as respostas encontradas devido aplicação da genética; do tipo de nutrição que animal recebe; ao tratamento ante mortem e pos mortem, assim como as questões higiênicas.
Por esta razão, estar preparado para adentrar num laboratório que visa avaliar a qualidade de carne é de extrema importância para quem tem interesse em conhecer o mundo da carne, pois os resultados necessitam correlacionar com fatores intrínsecos e extrínsecos ao animal.
Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal da Bahia - UFBA (1996). Mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (1999). Doutorado em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras - UFLA (2002) e Pós-Doutorado pela mesma instituição. Atualmente é docente na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB (Itapetinga). Coordena o projeto CarnesCT. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Produção Animal e na área de Ciência e Tecnologia de Carne.