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Nutrição fetal e os efeitos na produção de carne bovina

*Marta Maria dos Santos

Entender o desenvolvimento do tecido muscular esquelético é o que dita a produção de carne. A partir disso, é necessário contextualizar a produção de carne no Brasil para entender como fatores ambientais de modo geral, podem influenciar a trajetória de desenvolvimento do tecido muscular que pode culminar em um animal com maior deposição de carne ou uma carne de maior ou menor qualidade. Boa parte da produção de bovinos de corte é criado a pasto, sendo assim a dieta basal desses animais é influenciada pela sazonalidade, principalmente de chuva, influenciando tanto a quantidade, quanto a qualidade do pasto.

Isso faz com que adotemos estratégias no intuito de padronizar e melhorar a qualidade da carne bovina produzida no Brasil; como cruzamentos, suplementação em momentos estratégicos, confinamento na fase de terminação, dentro outros. Porém, muitas vezes, apesar dos esforços que são realizados para que o animal apresente bom desempenho e qualidade da carne, encontramos algumas surpresas quando o animal é abatido, principalmente no quesito de deposição de gordura intramuscular, responsável pelo marmoreio da carne.

E aí? O que pode ter ocorrido para não observarmos os resultados planejados? Exemplo; dietas ricas em energia na terminação para potencializar a deposição de gordura intramuscular e muitas vezes não observamos este resultado no abate.

Neste contexto, precisamos pensar na trajetória de vida do animal como um todo e não somente na fase pós-natal. Diversas pesquisas tem demonstrado que o indivíduo pode ter sua vida programada ainda na fase intrauterina, que hoje é bem consolidado com o termo “Programação fetal”. Portanto, um estímulo materno durante a fase gestacional ou um insulto sofrido pela matriz durante a gestação em um período de desenvolvimento fetal tem impactos no desenvolvimento da progênie. Este conceito tem demonstrado ser um dos responsáveis de não conseguirmos os resultados almejados nos sistemas de produção, dentro das estratégias que foram anteriormente comentadas.

Ao avaliarmos a trajetória de vida dos bovinos de corte, temos conhecimento que 1/3 da vida do animal é intrauterina. Assim, alguns eventos que ocorrem na fase pré-natal têm relação direta com aquilo que observamos no animal no momento do abate. Focando aqui na trajetória de desenvolvimento do tecido muscular esquelético, o que será convertido em carne após o abate, precisamos ter em mente quais os eventos ocorrem durante seu processo de formação. Ao analisar a formação do tecido muscular esquelético, observamos inicialmente as células mesenquimais indiferenciadas.

Células que ainda não tem uma função pré-definida e que baseado nos estímulos que eles recebem, irão se diferenciar basicamente em 3 linhagens celulares: tecido muscular propriamente dito, tecido adiposo intramuscular e tecido conjuntivo (principalmente colágeno, que é necessário para a sustentação do tecido muscular esquelético em formação). Ou seja, há uma “competição” entre essas 3 linhagens celulares que são derivadas do mesmo conjunto de células indiferenciadas.

Se dividirmos a gestação em terços, observamos os seguintes eventos (Figura 1):
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Figura 1- Manuscrito aceito para publicação RBZ- Santos et al. 2022. Resumo dos principais processos envolvidos na diferenciação das células do músculo esquelético durante os estágios embrionário e fetal e na vida pós-natal de acordo com os dias após a concepção (dpc).


Primeiro terço da gestação: A matriz gestante ainda tem certa disponibilidade de forragem de boa qualidade (baseado nas estações de monta adotados no Brasil). Momento em que ocorre uma certa “competição” entre os tecidos em formação fetal, sendo que o tecido muscular esquelético é menos priorizado perante aos órgãos vitais. Observamos a organogênese acontecendo ao mesmo tempo que a miogênese primária. Na miogênese primária ocorre o comprometimento celular a linhagem miogênica que darão origem as fibras musculares. Portanto, qualquer insulto negativo que a matriz gestante possa sofrer vai impactar o fluxo de nutrientes em quantidade e qualidade para o feto. Sendo assim, pode-se observar uma formação do tecido muscular esquelético prejudicado nesse momento.

Segundo terço da gestação: Formação da miogênese secundária e início da hipertrofia muscular. As fibras musculares secundárias são as que mais contribuem para a hipertrofia muscular pós-natal. Geralmente nesta fase, a matriz passa por restrição nutricional (baseado nas estações de monta adotados no Brasil), devido a sazonalidade de produção de pasto. Portanto, se a matriz passar por restrição nesta fase há um impacto muito grande na miogênese, tanto em hiperplasia, quanto em hipertrofia muscular, impactando a vida pós-natal da progênie, uma vez que ela terá uma capacidade hipertrófica limitada.

Terceiro terço da gestação: A hipertrofia muscular continua e inicia-se o comprometimento celular a linhagem adipogênica que dará origem a formação da gordura intramuscular na fase pós-natal, além do comprometimento a linhagem fibrogênica.

Portanto, se tivermos conhecimento de como manejar a nutrição materna de forma a controlar a diferenciação das células mesenquimais indiferenciadas para se direcionarem a linhagem de interesse, conseguiremos manipular estrategicamente o desenvolvimento do tecido muscular esquelético. Por exemplo, se o interesse é aumentar o marmoreio, estratégias nutricionais devem ser aplicadas no terço final da gestação no intuito de aumentar o número de adipócitos intramusculares. Assim, o animal nascerá com um número maior de adipócitos intramusculares, aumentando as chances de respostas a uma dieta de alta energia na fase de terminação para a formação da gordura intramuscular. Comparativamente, se temos animais que por algum motivo tiveram uma restrição alimentar no final da gestação, teremos uma carne com menor marmoreio.

Baseado nas informações acima, aquela premissa de que o papel da matriz é produzir um bezerro/ano e uma vez que ela esteja gestante já foi cumprido seu papel “cai por terra”. Este conceito tem um impacto muito negativo na produção de carne da progênie que irá nascer. Dessa forma, está bem consolidado que a nutrição materna pode ser usada para manipular a trajetória de desenvolvimento do tecido muscular esquelético com foco em aumentar o rendimento de carcaça e qualidade da carne.

null Zootecnista e Mestre em Zootecnia - Universidade Federal de Viçosa. Doutoranda em Zootecnia- Universidade Federal de Viçosa.