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MINHA HISTÓRIA COM OS BÚFALOS E A CIÊNCIA DE SUA CARNE

*André Mendes Jorge

Para começar a contar a minha história gosto sempre de repetir e enfatizar uma frase que costumo usar sempre. “Em tempo, na minha humilde opinião, não devemos comparar a carne bubalina com a bovina, aliás com a carne de nenhuma outra espécie! Búfalo é Búfalo! Merece e deve ser tratado e identificado como tal.”

Irei destacar os elementos que, por meio das relações estabelecidas com o mundo, possibilitaram a construção de minha vida profissional com os bubalinos, popularmente conhecidos como búfalos.

Me formei em Zootecnia em 1985 na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e segui para estágio no Instituto de Zootecnia – IZ, da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, em Nova Odessa, com Bolsa de Aperfeiçoamento do CNPq sob orientação do Dr. Edgard Caielli, , onde tive a oportunidade de conhecer os búfalos das raças Jafarabadi e Mediterrâneo mais de perto (nas Estações Experimentais de Andradina e no Posto Experimental de Castilho).

No ano de 1987 prestei concurso para o IZ, para a cidade de Registro, sendo um dos técnicos responsáveis pela implantação da Estação Experimental de Zootecnia do Vale do Ribeira, para realizar pesquisas com búfalos da raça Murrah. A oportunidade de aplicar na prática todos os ensinamentos teóricos adquiridos ao longo de minha formação acadêmica foi tremenda, e o aprendizado com os búfalos e a região do litoral sul de São Paulo foi incomensurável. Hoje a Estação faz parte da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios – APTA, sendo a Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento – UPD de Registro.

Paralelo as minhas atividades de pesquisas na região do Vale do Ribeira em São Paulo, percebia que o cenário da bubalinocultura tanto nacional quanto mundial estava se modificando, gerando boas oportunidades e grandes desafios para a cadeia produtiva, não somente para o leite de búfala como também para a carne.

Como a minha “praia” era carne, senti a necessidade de me especializar e como Pesquisador Científico do IZ realizei pós-graduação em nível de Mestrado (1993) e Doutorado (1997) na Universidade Federal de Viçosa – UFV, Minas Gerais contando com a orientação competentíssima do saudoso Prof. Carlos Augusto Fontes (In Memoriam), trabalhando com bovinos de corte e bubalinos na temática de exigências nutricionais e características de carcaça.

Após onze anos como Pesquisador Científico do IZ, em 1998, ingressei por Concurso Público de Títulos e Provas como Professor Assistente da Disciplina de Bubalinocultura, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Desde esta época, há quase 25 anos, atuo também como responsável pelo Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão – Bubalinos promovendo a formação e capacitação de alunos em nível de graduação e pós-graduação.

Procurei consolidar o Grupo de Pesquisa no CNPq “UNESP-Botucatu-BÚFALOS”, que formei em 1998, captando recursos externos à Instituição, agregando especialistas, estudantes e técnicos e desenvolvendo estudos interinstitucionais envolvendo a espécie particularmente a temática “produção de carne de búfalo”, disseminando os resultados para a comunidade científica e de produtores do Brasil e também de vários países com destaque para Argentina, Colômbia, Uruguai, Costa Rica, Estados Unidos, Canadá, Itália, Portugal, Índia, Tailândia, Turquia, Japão e China.

Foi minha opção ser cientista, um “pequeno Zootecnista”, o que acabou fazendo sentido nas atividades que estou envolvido: a pesquisa que gera conhecimento e renovação de ideias a cada dia, e o ensino, que envolve o “ser professor”, contribui para dar sentido pelo “passar conhecimento”, ensinar e treinar jovens nos fundamentos da ciência. Neste sentido busquei progredir na carreira acadêmica e, no meio de tantos avanços, em 2007 fui aprovado em Concurso Público obtendo o título de Livre-Docente na Disciplina de Características da Carcaça dos Ruminantes e no ano de 2022 o cargo de Professor Titular nas Disciplinas de Bubalinocultura e Avaliação e Tipificação de Carcaças.

Também jamais me furtaria a agradecer a todos os meus alunos e orientados de graduação e pós-graduação que juntos, num sentimento de equipe, como eles mesmos nomearam de a “Família Jorge et al.” enfrentamos as intempéries da vida acadêmica. Meu maior orgulho e reconhecimento é saber que os orientados egressos estão bem-posicionados no mercado de trabalho. Aprendi e continuo a aprender muito com eles!

No final do ano de 2014 realizei um sonho de mais de vinte anos. Pesquisar exigências nutricionais de búfalos para corte, pois não existia nada a respeito no mundo. Aprovamos com recursos da Fapesp um Projeto Temático, inédito e inovador, o que possibilitou a criação e hoje também coordeno o Centro de Pesquisas Tropicais em Bubalinos – CPTB, na FMVZ/Unesp-Botucatu, com toda infraestrutura física e equipamentos de primeira geração, o que está permitindo aprofundar mais as pesquisas com produção e qualidade da carne bubalina. E como resultados dos esforços do nosso grupo estamos preparando a publicação para um futuro bem próximo a primeira Tabela de Exigências Nutricionais para Bubalinos de Corte em Regiões Tropicais. No CPTB atuamos fortemente com pesquisas público-privadas em parceria com empresas e com o produtor rural, buscando testar e desenvolver novos produtos e técnicas e trazer soluções para o segmento produtivo.

Especificamente em relação à bubalinocultura de corte, vou expressar aqui e reforçar certos comentários que, junto com a Dra. Caroline Francisco, pesquisadora científica do CPTB, recentemente fizemos em evento nacional, o Zootec 2022 realizado em Manaus – AM, onde ministrei palestra sobre Produção e Qualidade da Carne Bubalina.

A população brasileira de búfalos varia entre 1,5 milhão (IBGE) e 3 milhões (Associação Brasileira de Criadores de Búfalos – ABCB). Ainda segundo a ABCB são cerca de 18 mil criadores, 440 mil matrizes, com uma produção de 84 milhões de litros de leite, fazendo girar um negócio de mais de R$ 1 bilhão. Com base nesses dados estimo que no país sejam abatidos em média de 283.500 a 567.000 animais, produzindo de 76,5 a 153,1 mil toneladas de equivalente carcaça. Para onde e como esta carne de búfalo está sendo comercializada?

Atualmente, com as transformações mundiais, a diversidade de mercados e consumidores, é preciso realizar o caminho inverso e saber, em primeiro lugar, “quem absorverá o meu produto” ou “para quem estou produzindo”. Esse foco irá determinar, quase em sua totalidade, as ações que deverão ser tomadas, bem como a escolha do sistema de produção adotado para que o sucesso da atividade e a rentabilidade sejam alcançados. E é exatamente nesse ponto que a produção da carne de búfalo se entrelaça as megatendências de consumo. Sabemos quem são os consumidores de carne de búfalo, aqueles em potencial ou, ainda, aqueles que podem ser conquistados? Existe uma preocupação somente com a quantidade ou com a qualidade e padronização do produto? A rentabilidade da atividade está na capacidade de produzir quantidade ou, na eficiência da produção e qualidade do produto final?

As inigualáveis características organolépticas e nutricionais da carne de búfalo já não são mais surpresas ou, pelo menos, itens inéditos para a maioria dos consumidores de carnes diferenciadas pelo alto valor qualitativo. Entretanto, o consumo de carne de búfalo pode ultrapassar esse nicho de mercado, agregando facilmente outros grupos de consumidores que buscam se alimentar de maneira saudável, mas sem suprimir a satisfação em comer. As qualidades nutricionais da carne de búfalo são reconhecidas e comprovadas cientificamente.

Atualmente, com uma produção aquém da demanda, somada a ausência de escala e as dimensões continentais do país (que contribuem para outro ponto: a falta de padronização), a carne de búfalo (quando identificada como tal) atinge mercados específicos e, na maioria, elitizados.

Outros entraves também são vivenciados na cadeia produtiva da carne de búfalo e estão diretamente relacionadas ao retorno econômico ao produtor. Com preços da arroba diversificada nos vários estados da federação, o produtor de determinadas regiões fica refém do valor oferecido à “arroba do búfalo”, apesar de garantir a qualidade e o acabamento da carcaça produzida. Além disso, a instabilidade do preço dos insumos destinados a alimentação animal deixa explícita que a eficiência da produção não é mais um diferencial a ser exaltado, mas, sim, tornou-se determinante para a permanência do pecuarista na bubalinocultura.

Entre as várias características do búfalo podemos destacar a sua plasticidade dentro da pecuária de corte. Ou seja, a capacidade que a espécie tem de se moldar de acordo com o sistema ao qual é submetida. Neste ponto, o questionamento é sobre quais seriam os sistemas mais favoráveis à espécie para que ela produza uma carne de qualidade; ou ainda, qual raça utilizar para atingir uma carne de qualidade e características satisfatórias. E isso estamos estudando no CPTB!

Para exemplificar, em um de nossos estudos, estamos avaliando o efeito da utilização de diferentes tipos de sistemas de terminação no acabamento da carcaça dos grupos genéticos Jafarabadi, Mediterrâneo e Murrah. Os sistemas foram: confinamento, terminação intensiva a pasto (TIP) e suplementação a pasto.

A Figura 1 apresenta os resultados que cada sistema proporcionou em relação ao acabamento das carcaças. Torna-se evidente a diferenciação do acabamento de acordo com o sistema utilizado. Sem considerar ou demonstrar os dados referentes aos custos de cada produção (dados serão publicados oportunamente), fica clara a ideia de que é preciso saber o destino que será dado para cada tipo de produto e ter em mente que esse destino implicará no retorno econômico da atividade e, consequentemente, na rentabilidade da atividade.

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Figura 1 – Carcaças de bubalinos de acordo com os diferentes sistemas de produção: a) Sistema de Terminação em Confinamento; b) Sistema de Suplementação a Pasto; c) Sistema de Terminação Intensiva a Pasto. Fotos: Arquivo pessoal – Projeto Temático FAPESP – Processo 2014/05473-7.

É de conhecimento de todos que a carne bubalina não recebe remuneração, qualquer tipo de bonificação, precificação diferenciada ou premiação pelo rendimento e qualidade, resultando na falta de incentivo e desânimo por parte do produtor. Assim, a reflexão que deve ser realizada é quanto à necessidade real de se alcançar cada acabamento apresentado. Qual dessas situações seria suficiente para o objetivo da minha atividade? Ou, qual estratégia relacionada ao grupo genético eu devo utilizar?

Paralelo ao acabamento da carcaça, as características dos cortes e da carne também devem ser consideradas para a definição do sistema a ser utilizado. Neste ponto, voltamos a questão das megatendências de consumo. Como fornecer ao cliente a experiência e o sentimento de satisfação ao provar o produto? A Figura 2 ilustra as possibilidades que podem ser alcançadas de acordo com o sistema e manejo a ser escolhido. As diferenças e as oportunidades são notáveis. Além das diferenças percebidas visualmente quanto ao acabamento, características químicas e outras sensoriais podem ser os motivos que influenciarão critério de escolha do consumidor.

nullFigura 2 – Cortes bubalinos de acordo com os diferentes sistemas de produção: a) Sistema de Terminação em Confinamento; b) Sistema de Suplementação a Pasto; c) Sistema de Terminação Intensiva a Pasto. Fotos: Arquivo pessoal – Projeto Temático FAPESP – Processo 2014/05473-7.

Ainda explanando sobre a qualidade da carne de búfalo, cabe ressaltar que a gordura intramuscular é uma característica que acompanha a espécie, apesar de alguns estudos associarem o alto valor nutricional da carne de búfalo a ausência de “marmoreio” e respectiva diminuição do colesterol. É preciso atentar para o perfil lipídico diferenciado e benéfico existente na carne de búfalo em comparação ao perfil de outras espécies.

Independente da presença da gordura intramuscular na carne de búfalo, sabe-se que ela reúne todos os benefícios e fatores desejáveis para uma alimentação saudável e prazerosa. Além disso, sugere-se que a maciez atrelada a ela está relacionada ao tipo de fibra característica da espécie e ao menor diâmetro da fibra muscular resultando em menor força aplicada ao corte e mastigação, achado este importante e encontrado pela Dra. Caroline, membro da equipe CPTB.

Diante de tantos desafios, ainda é possível produzir carne de búfalo de qualidade se for obedecida uma sequência lógica, porém, dinâmica de acordo com as tendências e oportunidades do mercado, cenários da economia e realidade do produtor, adequando o sistema utilizado aos objetivos da produção.

Referências bibliográficas:

Francisco, C. L.; Jorge, A.M.; Dal-Pai-Silva, M.; Carani, F.R.; Cabeço, L.C.; Silva, S.R. 2011. Muscle fiber type characterization and myosin Meat Science, v. 88, n. 3, p. 535-541, 2011.

Francisco, C. L.; Jorge, A.M. Produção e qualidade da carne bubalina. In: Congresso Brasileiro de Zootecnia (31.: 2022: Manaus, AM). p.88-96. [livro eletrônico]: produtividade e conservação : o futuro da zootecnia / organização Fábio Jacobs Dias, Fábio Holder. -- 1. ed. -- São Carlos, SP : Aptor Software, 2022. ISBN 978-85-63273-45-1

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*Zootecnista pela UFRRJ, Itaguaí-RJ, Mestre e Doutor em Zootecnia pela UFV, Viçosa-MG, estágio pós-doutoral na UTAD, Vila Real-Portugal e Obihiro University of Agriculture and Veterinary Medicine – Obihiro-Japão. Professor Titular na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP e Coordenador do Centro de Pesquisas Tropicais em Bubalinos – CPTB.