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FAZENDA HAVAÍ – A HISTÓRIA DO VETERINÁRIO JOAQUIM FREIRE E SUA PAIXÃO PELO NELORE VERMELHO NO PANTANAL | DA PORTEIRA PARA DENTRO

*Diego Gomes Freire Guidolin

O Pantanal, maior planície alagável do mundo, foi um tema recorrente nos noticiários em 2020. A maior seca dos últimos 50 anos foi um dos fatores que dificultaram o controle de inúmeros focos de incêndio, queimando mais de 2 milhões de hectares, causando um grande impacto na fauna, flora e economia local. Os produtores pantaneiros foram apontados como os principais responsáveis pelo desastre ambiental, sendo muitas vezes taxados de gananciosos, inescrupulosos e afins. Não é nossa intenção inocentar os proprietários, até porque sabemos que existem produtores e produtores e a generalização de que todos são bons ou todos são maus, leva a injustiças que limitam a discussão do importante tema que é a produção sustentável no bioma.

O fato é que 95% do Pantanal é propriedade privada, sendo a pecuária de corte a principal atividade econômica na planície. Portanto, dizer que a criação de bovinos ameaça o bioma é uma inverdade, já que o Pantanal é considerado o bioma brasileiro mais bem conservado no país com mais de 80% da sua vegetação nativa preservada. Esses dados devem-se a cultura pantaneira, surgida da relação entre homem e natureza. O pioneirismo é marca dessas pessoas, que se acostumaram a desbravar terras desconhecidas, criar e adaptar tecnologias para produzir de maneira sustentável, respeitando o meio ambiente e desenvolvendo a região.

O objetivo desse texto é apresentar ao leitor a história de um produtor pioneiro, criado no ambiente pantaneiro, observador da natureza e que sempre buscou conhecimento, parcerias e tecnologias para desenvolver o meio onde viveu. Tive o privilégio de poder chama-lo de vô, meu avô Joaquim, Joaquim Cavalcanti Freire nascido no dia 27 de dezembro de 1914 em São Luis de Cáceres – MT, filho de Bertoldo Leite da Silva Freire e de Alice Cavalcanti Freire. Joaquim teve início na lida do campo na propriedade da família, foi iniciar seus estudos em Cáceres, seguiu para Corumbá e depois Rio de Janeiro, então capital federal, onde se formou em medicina veterinária na Escola Nacional de Veterinária em 1942. Ingressou na carreira militar após a formatura, sendo segundo tenente veterinário da corporação, contudo logo conheceu sua companheira para a vida toda, Edith Gomes Freire, uma verdadeira pantaneira nascida na fazenda Santa Rita, município de Corumbá. Casaram-se em 1943, quando então ele deixou a vida militar e os dois seguiram para o Pantanal da Nhecolândia onde fundaram a fazenda Havaí.

Joaquim Freire foi um incentivador da medicina veterinária no Estado como um dos primeiros profissionais na região e foi sócio fundador da Associação Campo-grandense de Medicina Veterinária (atual Sociedade Sul-mato-grossense de Medicina Veterinária – SOMVET). Trabalhou também pela criação do conselho regional de medicina veterinária de Mato Grosso do Sul, participando da primeira diretoria e cedendo um imóvel para que a autarquia pudesse iniciar suas atividades em 1979. Além disso, ele foi defensor da adoção de tecnologias para aumentar a produção animal, principalmente da utilização de sal mineral na produção de bovinos de corte, tanto que fundou a primeira fábrica de sal mineral do Estado, na década de 70 em Campo Grande. Por sua atuação e serviços prestados a profissão, em 1995 o Conselho Regional de Medicina Veterinária e Zootecnia de Mato Grosso do Sul instituiu o prêmio Dr. Joaquim Cavalcanti Freire, dado ao melhor aluno dos cursos de medicina veterinária e zootecnia formados em cada ano.

Podemos dizer que Joaquim era um criador e selecionador por natureza, pois, estava sempre empenhado em melhorar a produtividade do rebanho da fazenda Havaí. Ele viu no Nelore a raça ideal para ser produzida no Pantanal, sendo o primeiro pecuarista a possuir um plantel de animais registrados na região da Nhecolândia. A partir de observações no campo começou a tomar gosto pelos animais Nelore de pelagem avermelhada, segundo sua prática esses se mostravam mais produtivos e adaptados ao ambiente pantaneiro, por esse motivo foi um dos criadores que reivindicou junto a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu – ABCZ a autorização para registro de animais de pelagem vermelha na raça Nelore, algo que até então não era permitido. Em 1985 foi realizado o registro junto a ABCZ de 21 vacas e um touro, o primeiro de Mato Grosso do Sul e o segundo no Brasil.  Joaquim seguiu como um grande entusiasta da raça e quem o conheceu com certeza via sua paixão ao falar dos animais de pelagem vermelha. Hoje, ele estaria muito feliz em ver o aumento da participação do Nelore de pelagem vermelha nos plantéis brasileiros.

Sua vivacidade impressionava a todos, aos 95 anos de idade fazia planos para os próximos 15, 20 anos. Seu brilho diminuiu quando perdeu sua esposa Edith, companheira por 66 anos. Ele veio a falecer poucos meses depois dela, em 2010. O casal Edith e Joaquim deixaram família e inúmeros amigos, todos saudosos do convívio diário, orgulhosos de sua história e felizes pelo tempo que passaram juntos.

Ficam as recordações e os ensinamentos de quem nunca se acomodou e a certeza que poderia sempre fazer mais e melhor pela pecuária. Que possamos seguir esse caminho e incentivando outros a fazer o mesmo.

null Zootecnista. Doutor em genética e melhoramento animal. Criador de Nelore Vermelho no Pantanal da Nhecolândia.