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Evolução na demanda do mercado consumidor

*Filipe Dalla Costa

A cadeia produtiva de alimentos tem passado por uma evolução gigantesca nas últimas décadas. Essa mudança transcende o meio rural para conversar diretamente com o consumidor contemporâneo sobre temas como as condições em que os animais foram criados, qual a qualidade do produto adquirido, os efeitos do consumo dos alimentos na saúde e os impactos ambientais da criação de animais. Isso porque o consumidor atual está mais interessado em conhecer o que consome e tem buscado de forma proativa por informações. E nosso papel, como técnicos, é garantir que todos os dados e atributos de qualidade cheguem de forma segura e correta à sociedade.

Evoluímos na forma de pensar e criar animais, trocando o foco da criação animal para produção de alimentos. Assim, enquanto há 30 anos, tanto na Europa quanto no Brasil, os produtores rurais decidiam a melhor forma de criar animais dentro de suas condições, hoje é o consumidor final quem decide a forma pela qual os produtores irão criá-los. Vivenciamos uma troca: no passado, os alimentos eram escolhidos levando em consideração seu preço e aspecto visual, agora não mais.

As famílias tinham, em sua maioria, estruturas grandes, com mais de cinco pessoas, e o objetivo era ter comida na mesa. Atualmente, há uma demanda dos consumidores pela inocuidade alimentar, biodiversidade, pelo bem-estar animal e pela utilização dos recursos naturais de forma mais eficiente. Para a indústria, isso significou ajustar a forma de pensar o que é eficiência, muitas vezes definida pela conversão alimentar, para produzir aquilo que o consumidor deseja. Ao levar em conta todos esses critérios, há vantagens de oportunidades de agregação de valor, acesso a novos mercados, valorização dos produtos, atingimento de novos nichos de mercado e melhoria da opinião pública sobre a criação animal.

Como evoluímos na criação animal?

No campo, as principais evoluções estão em atender às necessidades dos animais. Os primeiros trabalhos em bem-estar iniciaram no Brasil por volta dos anos 2000, quando os pesquisadores da Embrapa e de Universidades buscavam alternativas para melhorar a produtividade do sistema. Inicialmente, houve muita resistência por parte da indústria, o que é natural na implementação de novas ideias e foi reforçada pela dificuldade de demonstrar os benefícios a toda cadeia. Contudo, logo no início dos trabalhos, que consistiam em treinamentos para que os manejadores entendessem o comportamento dos animais e pudessem conduzi-los de forma mais calma e tranquila, um novo horizonte se abriu.

Os próprios envolvidos notaram que, ao promover o bem-estar dos animais, conseguiam realizar a jornada de trabalho com mais facilidade, menos estresse e reduziam o número de acidentes. Alguns dos relatos incluíam até depoimentos de familiares, que perceberam os profissionais mais calmos e dispostos ao retornarem do serviço. Desde então, a promoção do tema é cada vez maior e todos têm a ganhar: os animais, que merecem uma vida digna e com cuidados adequados; os produtores, que muitas vezes ganham mais segurança com processos voltados ao bem-estar; e o mercado como um todo, que passa a ser mais valorizado.

O cuidado com bem-estar animal vai de ponta a ponta da cadeia, levando em consideração sempre uma avaliação holística dos animais, que considera a harmonia entre a interação dos domínios da alimentação, ambiência, saúde e comportamento para termos o estado físico e mental de um indivíduo.

Alimentação

Deve-se garantir alimento em quantidade e qualidade adequadas a todos os indivíduos, sem que haja disputas. As exigências nutricionais são atendidas por rações formuladas por especialistas para cada fase produtiva, de acordo com a espécie. Com o melhoramento genético, os animais atingiram tamanhos maiores já nas fases iniciais, o que impactou em melhorias no espaço fornecido por animal no cocho alimentador, a fim de evitar interações agonísticas e manter a uniformidade do rebanho. A tecnologia tem sido uma grande aliada nessa jornada, auxiliando o fornecimento de quantidades adequadas e em momentos específicos, reduzindo o esforço de trabalho dos produtores.

Os sistemas de alimentação podem contar com alimentadores eletrônicos, programados de forma a garantir o fornecimento específico de cada animal, registrando também dados de comportamento alimentar, ou robôs, que são automaticamente abastecidos em silos e distribuem ração em baias de confinamento, conforme a quantidade de animais e necessidades individuais do local. O fornecimento automatizado permite uma distribuição precisa de alimento e evita desperdícios, contribuindo para a sustentabilidade da cadeia produtiva. Além disso, esses sistemas trabalham de forma programada, independente da observação humana, dispondo ao produtor mais tempo livre para outras atividades.

Ambiência

Quando falamos de bem-estar animal, o conforto ambiental é indispensável para a harmonia dos outros domínios. Diferentemente do que muitos pensam, o conforto envolve muito mais do que a temperatura e umidade do ar, que auxiliam no controle do estresse térmico. É necessário cuidar da qualidade do ar, mantendo uma ventilação adequada que elimine gases tóxicos, poeira e patógenos, e ter um bom sistema de piso/cama, que evite lesões nos cascos, escorregões e quedas, bem como garanta um bom conforto do animal e promova o escoamento correto de dejetos.

No Brasil, a ventilação pode ser controlada por meio de sistemas de cortinas (manuais e automáticas) ou com ambientes mais modernos, totalmente controlados, que consistem em sistemas produtivos fechados com ventilação forçada para troca de gases e placas evaporativas, que funcionam como um ar-condicionado de alta capacidade para um galpão de confinamento. Na questão de pisos e camas, as recomendações podem variar de acordo com as espécies, fases de produção e sistemas adotados.

Na avicultura, por exemplo, a manutenção da temperatura e umidade do ambiente dentro das faixas recomendadas auxilia a melhoria da qualidade da cama. Em situações de estresse térmico por excesso de calor, as aves podem acessar muito os bebedouros e acabar molhando a cama, o que pode causar lesões às patas. Para bovinos em confinamento, pisos muito abrasivos podem lesionar os cascos e causar dor aos indivíduos, prejudicando a saúde e o bem-estar.

Saúde

A saúde dos animais está intimamente ligada à Saúde Única. Assim, as estratégias adotadas na criação levam em consideração sistemas de prevenção, diagnósticos precoces e uso racional de antimicrobianos, principalmente os que são de uso humano e hospitalar. Os avanços tecnológicos têm sido um grande aliado nessa caminhada, ajudando-nos a identificar enfermidades e procurar soluções para que nosso ecossistema seja cada vez mais sustentável e que as conexões que fazemos reflitam em ações que contribuam positivamente na construção de um futuro mais inteligente.

Um dos exemplos é a forma de vacinação intradérmica, sem agulha, por meio de um dispositivo que regula a dose da vacina e a pressão de aplicação eletronicamente, evitando erros de volume da dose aplicada e possíveis lesões teciduais, que podem ocorrer no local da vacinação com agulha. Esse sistema prioriza o bem-estar animal, com menos reações de dor e estresse durante o procedimento, redução da lesão tecidual e da formação de abcessos e facilidade na aplicação, sem perder a eficácia frente às vacinas intramusculares.

No lado da sustentabilidade, o sistema de vacinação intradérmica reduz a geração de resíduos para o meio ambiente, já que não são utilizadas seringas e agulhas. Além disso, o volume da dose necessária para ativação do sistema imune é de um décimo da dose de outros sistemas injetáveis. Essa característica reduz o volume de frascos gastos para o rebanho, bem como o consumo de energia elétrica necessária para o armazenamento correto do material.

Comportamento

Em muitas situações, fornecemos aos animais o que seria melhor para nós mesmos, o que demonstra uma atitude positiva e de empatia. Contudo, o antropocentrismo nem sempre é bom para os animais. Para fornecermos o que há de melhor em termos de recursos, precisamos entender o comportamento natural de cada espécie.

Os suínos, por exemplo, têm um comportamento natural de explorar ambientes, chafurdar e interagir com substratos naturais. Assim, algumas formas de enriquecimento ambiental incluem a inserção de substratos para interação, como palha e maravalha, e de brinquedos, como correntes, cordas, madeiras, pedras, entre outros. Já as aves gostam de empoleirar. Por sua vez, bovinos acostumados com grooming (lambidas e coçadas entre dois animais) podem ser estimulados por meio de coçadores instalados nos piquetes e baias.

O enriquecimento do ambiente nas unidades produtivas tem trazido bons resultados no comportamento e bem-estar dos animais por meio de redução de estresse e comportamentos indesejados, resultando em melhorias da saúde e produtividade. A atitude de prevenir situações de desequilíbrio e perda da harmonia no sistema sempre é mais barato e fácil do que atuarmos de forma curativa.

Conhecer cada domínio e saber como interage com os outros é fundamental para manutenção do bem-estar dos animais e da eficiência produtiva de alimentos éticos. A missão de cuidar cabe a todos nós e, mais do que uma obrigação, é hoje uma demanda do consumidor, que está conectado e atento ao jeito que produzimos alimentos. Inclusive, as novas certificações disponíveis e que selam nosso compromisso com a produção ética de alimentos, com bem-estar animal, estão cada vez mais nos holofotes da demanda de consumo. É uma forma de as propriedades e indústrias mostrarem transparência em suas práticas e reforçarem as novas posturas produtivas.

null Médico Veterinário pela UDESC. Doutor em Zootecnia pela Unesp. Embaixador de Bem-Estar Animal na MSD Saúde Animal.