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A Terceira Onda da Pecuária de Corte no Brasil | Bovinos

*Guilherme Cunha Malafaia

A evolução da pecuária de corte brasileira esteve sempre calcada em ativos estratégicos encontrados no país (condições climáticas favoráveis, disponibilidade de terras a preços baixos, oferta abundante de mão de obra, tecnologia de produção adaptada às condições do país, entre outros), o que determinou, de certa forma, o impulso da competitividade deste setor produtivo. Apesar dessa condição favorável, em um passado não muito distante o contexto era de escassez de carne bovina, chegando-se a importar até carne suspeita de estar contaminada por radioatividade. A cadeia foi então estimulada a aumentar a produção, respondendo positivamente, com a missão cumprida. Esta foi a primeira onda da pecuária de corte. Logo depois, o foco mudou e o sistema produtivo passou a visar a produtividade, já que a continuidade da proposta de aumento horizontal da produção era insustentável; afinal, na pior das justificativas, há limites territoriais a limitá-la. Iniciou-se, então, a segunda onda. A cadeia foi estimulada a focar na produtividade, hoje reconhecida. O modelo de produção pecuária no Brasil passou a priorizar tecnologias mais intensivas em capital - as chamadas tecnologias “poupa-terra”, com melhor desempenho técnico e econômico, e que geraram significativos ganhos de produtividade. Em 1995, iniciou-se o processo de recuo no uso de terras para pastagens, dando espaço às lavouras e áreas de preservação ambiental.

A produção pecuária brasileira se dá predominantemente a pasto e que preservação ambiental e produção de carne não são excludentes - afirmação facilmente verificável pelo aumento significativo das matas naturais, ao mesmo passo que se verificou aumento da produtividade da pecuária.

Dentre as soluções tecnológicas “poupa-terra” capazes de diminuir os impactos ambientais causados pela atividade pecuária e economicamente viáveis utilizadas nesse período, destacam-se os sistemas integrados de produção, lançamento de novas forrageiras, melhoramento genético do rebanho, manejo e recuperação de pastagens, suplementação alimentar, boas práticas de produção, produção de novilho precoce, entre outras.

Entretanto, na última década houve um movimento crescente de deterioração dos já mencionados ativos estratégicos encontrados no Brasil, decorrente de uma forte pressão de custos, que por sua vez deriva de um grande aumento da remuneração e da escassez do fator de produção mão-de-obra, importante valorização das terras e crescentes restrições socioambientais.

Essa deterioração remete ao surgimento de uma terceira onda para a pecuária de corte para os próximos 20 anos. O estudo[1] elaborado pelo Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne) da Embrapa, em parceria com Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), aponta para uma nova realidade na produção pecuária, tecnificada, intensiva, de ciclo curto, com padronização de carcaças e fluxo contínuo de produção para atender mercados de valor agregado, sinalizando ser este o modelo predominante da pecuária de corte nas próximas décadas.

Os sistemas de Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF) têm alta probabilidade de mais do que dobrarem sua área atual até 2040, dada sua lucratividade e apelo ambiental. Da forma como é organizado, é possível melhorar a rentabilidade da propriedade e ainda cuidar do meio ambiente. A maior profissionalização da pecuária, a evolução do mercado madeireiro e de celulose, concomitante à pressão dos consumidores pelas questões ambientais e à racionalização do uso de terra serão importantes propulsores para que este evento se materialize.

A adoção de ILPF, o melhor aporte nutricional aos bovinos e a recuperação de áreas degradadas pela pecuária no passado, auxiliarão na amenização das emissões de gases de efeito estufa pela pecuária de corte em 2040. Esta preocupação internacional com o meio ambiente ultrapassa a discussão técnica e pressiona fortemente os interesses comerciais brasileiros. O custo de aquisição, implantação e uso de tecnologias “poupa terra” dificulta a sua adoção, mas acredita-se que a maior produtividade conseguida com a intensificação da produção pecuária levará maior rapidez aos ciclos pecuários, reduzindo a emissão de gases de efeito estufa por quilo de carne produzida no Brasil, consumida aqui e cada vez mais no mundo todo.

A pecuária de corte está diante de uma grande oportunidade de crescimento nas próximas décadas, mas para que o setor consiga aproveitar esse momento, deverá superar alguns desafios importantes, como aumentar a produtividade, preservar o meio ambiente, o bem estar animal, implantar a rastreabilidade de ponta a ponta na cadeia de produção, garantir a qualidade e segurança dos produtos finais, contribuir para a inclusão social e responder aos questionamentos dos formadores da opinião pública, minimizando preconceitos e desinformações instaladas na comunidade acadêmica e em organismos multilaterais.

Se a missão novamente for cumprida, surfaremos na crista da terceira onda. Ocuparemos espaço no cenário internacional, exportando desde genética a produtos altamente especializados e de elevado valor agregado. Seremos uma pecuária altamente tecnificada, profissional, competitiva e uma referência global não só pelo gigantismo, mas também por sua tecnologia e qualidade.

[1] O Futuro da Cadeia Produtiva da Carne Bovina Brasileira: Uma Visão para 2040 (disponível em www.cicarne.com.br)

null Pesquisador e Coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina da Embrapa Gado de Corte.