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A Dinâmica da Indústria Frigorífica no Brasil

*Lara Macêdo Bonfim

Não é à toa que somos o maior exportador mundial de carne bovina e que duas das maiores processadoras globais de carne bovina são brasileiras. Vários fatores contribuíram para alcançarmos essa posição, dentre os quais: ter o maior rebanho bovino comercial do mundo; apresentar menores custos de produção de carne quando comparado a outros países; melhoria contínua da sanidade do nosso rebanho bovino, permitindo a conquista de status sanitário reconhecido internacionalmente e a abertura de novos mercados ao longo dos anos. Além de todos esses fatores, também temos a nosso favor o fato de dispormos de excelentes plantas frigoríficas.

E como se encontra distribuída a nossa dinâmica indústria frigorífica? Para ser ter uma ideia dos números e do porte dos frigoríficos brasileiros, basta darmos uma olhada nos dados do Beef Report 2021, publicado recentemente pela ABIEC.  Os dados mostram que em 2020, as nossas indústrias frigoríficas alcançaram faturamento superior a U$ 34,74 bilhões, o equivalente a R$ 179,01 bilhões de reais.

Considerando a capacidade de abate, no ano de 2020, os frigoríficos brasileiros abateram um volume total de 41,5 milhões de cabeças e, do total de carne produzida, 73,93% foram destinadas ao mercado interno, enquanto 26,07% foram destinadas às exportações para 157 países.

As plantas registradas no SIF abateram 21,6 milhões de bovinos, o que corresponde ao equivalente a 52% do volume total.  Já as plantas registradas no SIE abateram 6,4 milhões de bovinos, o equivalente a 15% do volume total dos abates, enquanto os frigoríficos registrados na esfera municipal abateram 1,8 milhões de bovinos e responderam por apenas 4% do volume total.

E como a conta não fecha 100%, aí nos deparamos com a estimativa mais triste e conflitante, a de que o abate clandestino chega a 28% - isso no país que é o maior exportador de carne bovina do mundo. E aqui cabe uma reflexão, visto que o volume estimado de abate clandestino (28%) é superior ao somatório do volume de abate sob inspeção estadual (15%) e municipal (4%), assumindo a segunda colocação no ranking de volume de abate, sendo ainda toda essa carne clandestina destinada, exclusivamente, ao mercado interno. A distribuição dos abates por tipo de fiscalização está ilustrada na figura abaixo.

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Fonte: Beef Report (ABIEC, 2021).

Mas afinal, quantos frigoríficos existem no Brasil? Temos mais frigoríficos com SIF, SIE ou SIM? Bom, essa não é uma pergunta fácil de ser respondida, já que os dados relacionados aos registros estão em esferas distintas de inspeção e, portanto, dependem de uma compilação dos mesmos. 

Dessa forma, estima-se que existam no Brasil em torno de 1.100 frigoríficos, já que esses foram os frigoríficos informantes da Pesquisa Trimestral de Abate (IBGE), referente ao primeiro trimestre de 2018. Desses 1.100 frigoríficos participantes, 194 se encontravam registrados sob inspeção federal (17,6%), 374 sob inspeção estadual (34%) e 542 sob inspeção municipal (49%).

Ao prosseguirmos nossa análise, percebemos que, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a maioria dos frigoríficos brasileiros não estão registrados no SIF. Pelo contrário, os frigoríficos com SIF representam a menor parcela do total (17,6%) e quase metade dos frigoríficos brasileiros estão registrados na esfera municipal (49%). 

Com relação aos frigoríficos com SIF, há uma maior concentração dessas plantas frigoríficas nas regiões e estados que possuem maior disponibilidade de matéria-prima e maiores efetivos de rebanho, como Mato Grosso, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pará, Rio Grande do Sul e Rondônia.  A distribuição dos frigoríficos brasileiros registrados no SIF está ilustrada no mapa abaixo.

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Fonte: Beef Report (ABIEC, 2021)

Mas quando pensamos na realidade das indústrias frigoríficas brasileiras, as plantas registradas nas diferentes esferas de inspeção diferem entre si não apenas em relação às suas capacidades de abate, mas, sobretudo, apresentam realidades bem distintas quanto ao nível de adoção de tecnologias, sendo, portanto, caracterizadas por uma grande heterogeneidade em termos de estrutura física e operacional.

Com relação ao porte e capacidade diária de abate, os frigoríficos de bovinos são classificados em:

- pequeno porte (P): até 200 bovinos/dia;

- médio porte (M): entre 201-500 bovinos/dia;

- grande porte (G): entre 501-800 bovinos/dia;

- grande porte (GG): acima de 800 bovinos/dia.

Os frigoríficos com SIF são, em sua maioria, indústrias bem estruturadas, que dispõem de instalações e equipamentos que permitem a implantação e a manutenção dos rigorosos padrões higiênico-sanitários estabelecidos na legislação aplicada aos mesmos. Por serem empresas que no geral apresentam maiores volumes de abate, contam com equipes maiores de colaboradores, com funções muito bem definidas. 

Além disso, essas empresas têm que atender aos requisitos e exigências do mercado, tanto interno quanto externo, relacionados aos critérios de qualidade estabelecidos e, para tanto, dispõem de maior corpo técnico e profissionais capacitados para o atendimento dessas demandas.

Como todos os frigoríficos exportadores são registrados no SIF, uma vez que essa é a única esfera de inspeção que autoriza a realização dessa atividade, essas unidades apresentam maior tecnificação, sobretudo as unidades habilitadas à exportação aos países, blocos e mercados mais exigentes, que adotam tecnologias de automação e robótica de última geração. Essas unidades, de maneira específica, dispõem de corpo técnico altamente qualificado, bem como elevados índices de implantação de programas de qualidade e certificações em normas internacionais de segurança de alimentos.

Já as plantas frigoríficas registradas na esfera estadual são unidades menores em termos de estrutura física e operacional, capacidade de abate e operações industriais realizadas, apresentando níveis intermediários de tecnificação, que variam de acordo com a região que se encontram inseridas e ainda em relação aos mercados que atendem.

Normalmente esses frigoríficos atendem clientes regionais, como redes de supermercados estaduais, açougues e distribuidores de carne. São empresas que apresentam menor nível de implantação de programas de qualidade, e contam com equipes mais reduzidas de colaboradores, não dispondo de um organograma tão claro e definido.

Por fim, temos também os frigoríficos municipais que, apesar de estarem presentes em maior número - são 542 frigoríficos, que representam 49% do total, respondem por apenas 4% do volume total de abate do Brasil. Isso se deve principalmente ao perfil desses estabelecimentos, que são de pequeno porte, com capacidade diária de abate reduzida, geralmente entre 10 a 20 bovinos por dia, realizando comércio de carne somente no âmbito do município e em seu entorno. São, em sua maioria, empresas com estruturas muito simples, até mesmo precárias, em termos de instalações e equipamentos, de forma que apresentam falhas graves no atendimento às Boas Práticas de Fabricação.


Resumindo, a nossa indústria frigorífica é gigante e apresenta várias faces, de modo que temos diversas realidades, que vão de um extremo ao outro. Temos no Brasil plantas frigoríficas que podem ser consideradas entre as melhores do mundo, mas quando pensamos nos estabelecimentos que atendem o mercado interno, no geral, as nossas indústrias ainda têm muito que evoluir, sobretudo em relação à implantação de programas de Boas Práticas de Fabricação e de qualidade.

Essa é a realidade que vejo como profissional da indústria frigorífica há mais de 20 anos no mercado, ou seja, precisamos subir de nível no quesito qualidade. E o meu propósito como consultora é contribuir para o crescimento e melhoria da qualidade das indústrias frigoríficas brasileiras, dando o suporte necessário para que atendam à legislação e produzam com mais qualidade.

null Médica Veterinária, Especialista e Mestre em Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal (UFMG), Doutora em Zootecnia (UFMG). Professora de Tecnologia de Carnes e Derivados e Inspeção de Carnes e Derivados. Consultora em indústrias frigoríficas, com mais de 20 anos de experiência.